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Sinergias Acadêmicas UE-América Latina

Portugal e a América Latina no século XXI: diplomacia, economia e cultura segundo as necessidades

Este post desenvolve os argumentos apresentados no capítulo do livro: Fonseca, C (2023) “A Política Externa Portuguesa para a América Latina: Uma Abordagem Ioiô”, em Gardini, Gian Luca (org.), Redefinindo a Presença da UE na América Latina. Berlim: Peter Lang. DOI: 10.3726/b21.282


Embora seja comum assumir que Portugal é um ator estratégico e um elo de ligação entre a Europa e a América Latina, será que isso corresponde à realidade? Após a redemocratização em 1974, Portugal testemunhou mudanças pequenas, mas estruturais, na sua política externa, ao deslocar o seu eixo central para a Europa e aderir às Comunidades Europeias (CEE) em 1986, sem, no entanto, renunciar à sua “vocação atlântica”.


Ao mesmo tempo, e progressivamente, houve, por um lado, um ajustamento de algumas diretrizes para a ação externa, concretamente, nas relações com a África, que começaram a desenrolar-se num enquadramento diferente, e com o eixo ibero-americano, no qual as relações se adaptaram e se expandiram perante as exigências impostas pela democratização. Por outro lado, também ocorreram algumas inovações, por exemplo, a diplomacia econômica e a diplomacia cultural (com foco na língua portuguesa), uma tendência que na América Latina ganhou força mais tarde, sobretudo através do Brasil. Este período também foi marcado pelo distensionamento das relações com o Brasil, que se normalizaram após o processo de descolonização africana e a estabilização das instituições políticas portuguesas no final da década de 1970.


No contexto latino-americano, dado que Portugal estava amplamente comprometido com o processo de adesão à CEE, a presença do Brasil na política externa portuguesa ficou limitada à retórica oficial e à tentativa de sensibilizar a agenda europeia para as relações com o Brasil, em particular, e com a América Latina, em geral. Da mesma forma, Portugal encontrava apoio na Espanha, mas também tinha dificuldade em se diferenciar do seu vizinho, que se encontrava na mesma fase de definição da sua identidade internacional, integração nas Comunidades Europeias e monetização da relação com a América Latina.


As palavras e os actos da política externa portuguesa


A política externa portuguesa fechou o século XX marcada pela diplomacia econômica e pela “opção brasileira”, implementada pelo governo do Primeiro-Ministro António Guterres. Esta estratégia orientou o comércio e os investimentos portugueses preferencialmente para o Brasil, mas também alcançando outros países da região. Ao entrar no novo século, o segundo governo de Guterres (1999–2002) procurou conciliar a abertura da economia brasileira com o crescimento econômico e a expansão dos negócios portugueses, beneficiando-se da integração econômica europeia que, entretanto, começou a perder força.


 Entre 2011 e 2015, em plena crise econômica, o governo de Pedro Passos Coelho teve como principal tarefa a gestão do resgate da troika, e o Vice-Primeiro-Ministro Paulo Portas reativou a diplomacia econômica e definiu o Brasil e as principais economias da América Latina como alvos da ação externa de Portugal. Durante esse período, a “opção brasileira” de Guterres parecia ser gradualmente substituída e ampliada para mercados emergentes, incluindo os lusófonos, como instrumento a serviço dos interesses e necessidades econômicas “para o prestígio internacional” do país.


Nos anos seguintes, o governo de Durão Barroso (2002–2004), assim como o de José Sócrates (2005–2011), não atribuíram a mesma importância à relação com a América Latina ou com o Brasil, investindo, ao invés, na relação com a Espanha. Contudo, durante o governo de Sócrates, após o eclodir da crise econômica, houve um tímido exercício de diplomacia econômica. Os seus programas de governo reiteraram os mesmos objetivos da política externa portuguesa, incluindo a necessidade de internacionalização da economia. Contudo, não há referência a uma estratégia de aproximação à América Latina ou ao Brasil, em particular. Além disso, não só a Espanha foi o destino da sua primeira visita oficial, como as suas palavras destacaram as relações com o país vizinho.


 A crise econômica e financeira global subsequente exigiu, no entanto, alguns ajustes, obrigando Portugal  a focar-se na América Latina, já que o contexto da crise afetava todos os países europeus, incluindo a Espanha – relação que viveu o seu ponto mais baixo neste período. Sem comprometer a relação com a UE, Portugal diversificou os seus parceiros, sobretudo,  visando o Brasil e a América Latina -  posteriormente também afetados pelos impactos da crise.


Para o governo de António Costa (2015–2021), nem a América Latina nem o Brasil foram prioridade. A política externa portuguesa tem sido uma extensão da ação externa europeia, acrescida da centralidade da promoção da língua portuguesa. O declínio das economias latino-americanas desde 2015, as crises políticas e sociais na região, somadas ao surgimento de líderes populistas de extrema-direita, afastaram a América Latina dos radares da política externa portuguesa. O pilar da política externa portuguesa na última década tem sido a promoção da língua portuguesa – o elemento diferenciador de Portugal na União Europeia.


As próprias relações Portugal-Brasil têm estado estagnadas. Naturalmente, os fundamentos históricos da relação luso-brasileira dispensam, em certa medida, a ação política. No entanto, esta tendência reduz as possibilidades de alcançar resultados concretos e de longo prazo. No ano que marca o bicentenário da independência do Brasil, o que se destaca é a ausência de harmonia política entre os dois lados do Atlântico.


Considerações finais


A análise permite concluir que é quando a diplomacia econômica emerge na agenda da política externa portuguesa que a América Latina sobe à lista de prioridades. Não existe, porém, uma estratégia portuguesa para a região. O seu papel e lugar na agenda portuguesa não são diretos nem constantes, nem têm sempre a mesma intensidade.


 A América Latina nunca foi a prioridade da política externa portuguesa, mesmo que por vezes esse seja o discurso oficial. E mesmo quando integra a ação externa de Portugal, carece de uma estratégia orientadora de médio ou longo prazo. O lugar que a América Latina ocupa na política externa portuguesa decorre – e oscila – entre a sua dimensão atlântica, que vê a América Latina como uma extensão das prioridades da política externa portuguesa e o seu eixo euro-atlântico sensível, e a sua dimensão europeia, que obriga Portugal a alinhar com a agenda de ação externa da União Europeia. Nos últimos anos, essa dupla orientação tem-se mantido como uma tendência consistente. Essas flutuações são impulsionadas não apenas por fatores ideológicos ou partidários, mas também por dinâmicas conjunturais.


 Hoje, como no passado, a América Latina ocupa um lugar marginal na política externa portuguesa. Ao longo do século XXI, a relação tem sido caracterizada por momentos de oscilação, nos quais Portugal se aproxima e se afasta de acordo com os seus interesses, percepções governamentais e conjunturas internas e europeias.

Carmen Fonseca

Carmen Fonseca é professora associada do Departamento de Estudos Políticos (DEPo) da Universidade NOVA de Lisboa e investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA). A sua atividade académica centra-se na área das relações internacionais, com especial ênfase na política externa brasileira, nas relações entre Portugal e o Brasil e nas relações entre a União Europeia e a América Latina e Caraíbas (UE-ALC). Anteriormente, foi professora no mesmo departamento e participa ativamente em debates públicos e académicos sobre a diplomacia lusófona.






As opiniões expressas neste blog são exclusivamente do autor e não refletem as opiniões da Rede EULAS.

 
 
 

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