De Bruxelas a Santa Marta, endosso limitado, escopo ampliado: os compromissos CELAC–UE em um cenário global incerto
- Ana Obando and Joaquin Caprarulo
- 7 de dez.
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Após dois anos desde seu último encontro, a IV Cúpula CELAC–UE ocorreu em Santa Marta, Colômbia, em 9 e 10 de novembro de 2025. Embora a cúpula não tenha alcançado as expectativas iniciais — especialmente em comparação com a edição de 2023 em Bruxelas — ela marcou avanços em diversos aspectos da aliança CELAC–UE que merecem uma análise mais aprofundada.
Contexto da cúpula e desafios políticos
Nos dias seguintes ao encontro, a maioria dos comunicados de imprensa destacou a baixa participação de líderes de ambos os lados, em contraste com a Cúpula de 2023 em Bruxelas. Do lado da CELAC, foram particularmente notáveis as ausências dos presidentes da Argentina, Chile, Equador, Paraguai e Uruguai — Javier Milei, Gabriel Boric, Daniel Noboa, Santiago Peña e Yamandú Orsi — todos presentes na posse do presidente boliviano Rodrigo Paz no dia anterior à cúpula. Essas ausências contribuíram para a percepção de que o compromisso com o encontro não era forte, levando a uma postura cautelosa quanto à participação.
Alguns líderes europeus, de fato, citaram a baixa presença de seus homólogos da CELAC como justificativa para não comparecer. A retirada de última hora da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e a decisão do presidente francês, Emmanuel Macron, e do chanceler alemão, Friedrich Merz, de não participar reforçaram a percepção de que a cúpula não cumpriu as expectativas iniciais.
Ainda assim, o encontro contou com a participação de figuras-chave de ambos os lados, incluindo Lula da Silva, presidente do Brasil; Kaja Kallas, Alta Representante da União Europeia para Assuntos Externos; António Costa, presidente do Conselho Europeu; Dick Schoof, primeiro-ministro dos Países Baixos; Pedro Sánchez, primeiro-ministro da Espanha; e Luís Montenegro, primeiro-ministro de Portugal, entre outros. Além disso, como enfatizou o embaixador da UE na Colômbia, François Roudié, embora a presidente von der Leyen tenha cancelado sua presença, outros representantes de alto nível — como as comissárias Teresa Ribera, Hadja Lahbib e Magnus Brunner, que inicialmente não eram esperados — participaram, reforçando o compromisso da União Europeia com a cúpula.
Apesar das justificativas formais, a participação reduzida não pode ser compreendida sem referência direta ao contexto geopolítico no qual o encontro ocorreu, em particular o impacto da política externa dos Estados Unidos desde o início do segundo mandato de Trump.
Para começar, o retorno de Donald Trump à Casa Branca abalou significativamente o cenário político na América Latina e no Caribe. Sua administração adotou uma política externa agressiva em relação à região, exacerbando ainda mais as divisões internas entre países latino-americanos e caribenhos. Em uma estratégia que muitos observadores descrevem como uma reafirmação da Doutrina Monroe, os EUA buscam restabelecer controle político sobre a região para conter a influência chinesa. Essa estratégia tem incluído tanto o aumento da presença e ação militar — como evidenciado pelos atuais ataques aéreos no Caribe — quanto intervenção política direta para alinhar as políticas regionais aos interesses norte-americanos. Algumas das decisões mais controversas de Trump — incluindo sanções por suposto narcotráfico contra Gustavo Petro, a imposição unilateral de tarifas de 50% às exportações brasileiras sob o governo Lula, ou o inédito resgate financeiro concedido à Argentina de Milei — devem ser interpretadas como manifestações de uma abordagem de soma zero ao engajamento regional: aliados de Washington colhem benefícios, enquanto os demais enfrentam pressões crescentes.
Esses desenvolvimentos aprofundaram ainda mais as divisões na já frágil política de integração da América Latina e do Caribe. Para alguns líderes alinhados aos EUA, participar da cúpula poderia ser interpretado como endosso de uma visão regional associada a governos de esquerda e discursos antiamericanos — impressão provavelmente reforçada pela retórica de Gustavo Petro, atual presidente pro tempore da CELAC e responsável pela organização do encontro.
Do outro lado do Atlântico, o segundo governo Trump veio acompanhado de uma grande revisão nos termos que governam a relação EUA–UE, em grande parte como resposta a marcos regulatórios europeus percebidos como prejudiciais à competitividade das empresas norte-americanas. Isso implicou a reformulação de acordos bilaterais de longa data em áreas-chave — incluindo segurança, comércio, tecnologia e política externa. A crise resultante gerou incerteza entre os líderes da UE, levando-os a evitar confrontar abertamente os EUA por medo de retaliações arbitrárias. Sua abordagem à América Latina e ao Caribe, portanto, não escapa a esse clima mais amplo de hesitação e contenção estratégica.
No entanto, o sucesso da cúpula não deve ser medido apenas pelo nível de participação. O simples fato de ela ter ocorrido em um contexto político tão turbulento é um sinal da resiliência da parceria birregional. Além disso, o conteúdo da declaração final oferece bases para perspectivas construtivas, delineando um roteiro promissor para cooperação nos próximos dois anos e reafirmando o compromisso de realizar um novo encontro em Bruxelas em 2027.
Os resultados da Cúpula: fragmentação, avanços e fontes de otimismo
A Cúpula CELAC–UE de 2025, realizada em Santa Marta, representa uma evolução na agenda birregional. Enquanto a Cúpula de Bruxelas de 2023 reativou o diálogo político após oito anos de estagnação, a Declaração de Santa Marta ampliou o escopo e a ambição — ainda que em meio a crescente divergência política dentro da CELAC. A seguir, apresentamos sete pontos de análise sobre aspectos-chave dos resultados da Cúpula, incluindo a Declaração, o Pacto do Cuidado e a Aliança UE–ALC para Segurança Cidadã, além do Fórum da Sociedade Civil e Empresarial. Ao final, fornecemos também um quadro comparativo entre as declarações de 2023 e 2025.
1. Da reconexão ao posicionamento político
A Declaração de Bruxelas de 2023 concentrou-se no “relançamento” das relações, enquanto a de Santa Marta reflete uma mudança clara rumo ao aprimoramento do alinhamento geopolítico. O tom é mais assertivamente político, situando a relação birregional no contexto de um sistema internacional sob pressão. Ambas as partes reafirmaram a “importância estratégica” de sua parceria — não apenas como questão de interesse mútuo, mas como salvaguarda contra unilateralismo, fragmentação da governança multilateral e em defesa de uma ordem internacional baseada em regras.
2. Agenda ampliada, silêncios estratégicos
No conteúdo, a Declaração de 2025 é mais ampla que sua antecessora de 2023. Introduz novos temas como inteligência artificial, sistemas de cuidado, desinformação e governança digital. Também confirma e aprofunda compromissos anteriores com maior especificidade operacional (por exemplo, em transição energética, conectividade e segurança alimentar). No entanto, essa expansão convive com silêncios notáveis. A ausência de referências históricas à escravidão e às reparações (presentes em 2023) sinaliza um equilíbrio diplomático que provavelmente reflete preferências europeias. A não menção ao acordo Mercosul–UE sugere que divergências internas no lado europeu permanecem sem solução.
3. Crise global, fragmentação e obstáculos ao consenso
A Declaração de Santa Marta aborda um espectro mais amplo de crises globais do que a de 2023. Mantém referência à Ucrânia; introduz Gaza; amplia menções ao Haiti com referências operacionais aos marcos do Conselho de Segurança da ONU; e alude — em termos deliberadamente vagos — aos ataques dos EUA em 2025 contra supostas operações de narcotráfico na região entre Colômbia e Venezuela, referindo-se a eles apenas como “a situação no Caribe”.
No entanto, um grupo de Estados da CELAC dissociou-se formalmente desses parágrafos, incluindo aqueles relacionados à regulação digital, gênero e até mesmo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A Venezuela retirou-se completamente, e a Nicarágua não aparece como signatária nem como dissociada total ou parcialmente, mas enviou uma carta rejeitando a declaração.
Esse grau de descompasso enfraquece a força declaratória da cúpula e evidencia os crescentes desafios do regionalismo baseado em consenso dentro da CELAC. Para a UE, essa fragmentação complica esforços de projetar a parceria como ator geopolítico coeso e acentua ainda mais as assimetrias institucionais entre as duas regiões.
4. Convergência normativa e ancoragem jurídica
Um dos avanços mais significativos reside na consolidação de uma relação ancorada em valores compartilhados e em marcos jurídicos internacionais. Enquanto o texto de 2023 mencionava “sociedades resilientes, inclusivas e democráticas”, o de 2025 vincula explicitamente esses princípios a instrumentos legais internacionais — citando a Carta da ONU, as Convenções de Viena e princípios como a igualdade soberana dos Estados e a não utilização da força. Em um período de multilateralismo contestado, essa ancoragem jurídica reforça a coerência normativa da parceria, ainda que persistam divergências em temas específicos.
5. Global Gateway
A Agenda de Investimentos Global Gateway — principal estratégia da UE para a cooperação ao desenvolvimento — foi mencionada quatro vezes na Declaração de Santa Marta (parágrafos 29, 33, 35 e 43). As áreas de cooperação identificadas no âmbito desse marco incluem comércio, transições verde e digital, desenvolvimento humano, resiliência em saúde e acesso a vacinas. Projetos como a rede de computação de alto desempenho e a conectividade via satélite para o “último quilômetro” receberam menção especial. Notavelmente, tanto no Fórum da Sociedade Civil quanto no Fórum Empresarial, o Global Gateway apareceu não apenas em debates sobre investimento, mas também em discussões sobre resposta a desastres naturais, gestão de crises e ajuda humanitária. Isso sugere que a cooperação futura entre as duas regiões deve se apoiar fortemente neste instrumento liderado pela UE.
6. Cuidado e Segurança Cidadã como novos campos de cooperação
Dois novos mecanismos birregionais foram adotados como resultados da Cúpula:
O Pacto UE–ALC para o Cuidado, assinado pela UE e 16 membros da CELAC, incorpora o trabalho de cuidado na agenda birregional. Apesar das críticas que apontam sua ambição limitada em comparação com as propostas iniciais, o Pacto constitui uma porta institucional para cooperação voltada a desigualdades sociais de gênero e à crise dos sistemas de proteção social em sociedades envelhecidas.
A Aliança UE–ALC para Segurança Cidadã, respaldada pela UE e 18 Estados latino-americanos e caribenhos, oferece uma alternativa baseada em direitos humanos às abordagens militarizadas da segurança regional. Ela sinaliza um interesse compartilhado em mecanismos cooperativos de aplicação da lei e pode influenciar futuras arquiteturas de segurança.
7. Sociedade civil e lacunas de representação
Institucionalmente, a cúpula de 2025 marcou a primeira vez em que representantes da sociedade civil foram autorizados a ler sua declaração na sessão de encerramento — entregando assim sua mensagem diretamente aos líderes das duas regiões. No entanto, a convocatória do Fórum da Sociedade Civil ocorreu com prazo muito curto: a agenda só foi divulgada no fim de setembro, e a confirmação das organizações selecionadas chegou na segunda metade de outubro — menos de um mês antes do encontro. A assimetria no acesso e na influência permanece um desafio estrutural, especialmente para grupos sub-representados de países pequenos ou vulneráveis. Ao contrário do Fórum Empresarial ALC–UE, o Fórum da Sociedade Civil atraiu menos participantes de alto nível, reforçando sua posição periférica na arquitetura institucional da cúpula.
Por conseguinte, embora a Cúpula de Santa Marta tenha ficado aquém do simbolismo político alcançado em Bruxelas em 2023, seus resultados representam menos um retrocesso e mais uma recalibração complexa — mais estreita em termos de endosso político, mas mais ampla e operacional na ambição. Como destaca a Declaração de Santa Marta nos parágrafos 3 e 52, as reuniões ministeriais e o mecanismo de coordenação consultiva CELAC–UE serão essenciais para garantir continuidade e acompanhamento do roteiro para os próximos dois anos. Embora o Roteiro 2025–2027 ainda não tenha sido publicado, ambas as regiões já se comprometeram a realizar a próxima cúpula em Bruxelas daqui a dois anos — um sinal do interesse compartilhado em manter o dinamismo da parceria CELAC–UE.

Ana Obando é pesquisadora de doutorado em Direito Internacional no Leuven Centre for Global Governance Studies (KU Leuven – Bélgica). Ela realiza sua pesquisa com o apoio de uma bolsa MSCA como parte do projeto “Understanding Latin American Challenges in the 21st Century / LAC-EU”. Seus campos de interesse incluem Direito Internacional do Comércio, Direito do Trabalho e as relações LAC-UE. É advogada com ênfase em Governo e Assuntos Públicos pela Universidad de los Andes (Colômbia) e possui um LLM e um mestrado com distinção pela Universidade Sorbonne (França).

Joaquín Caprarulo é pesquisador de doutorado em Direito Internacional no Leuven Centre for Global Governance Studies (KU Leuven – Bélgica). Ele realiza sua pesquisa com o apoio de uma bolsa MSCA como parte do projeto “Understanding Latin American Challenges in the 21st Century / LAC-EU”. Seus interesses de pesquisa incluem direito internacional público, direito internacional dos direitos humanos, o trabalho das organizações internacionais e as relações LAC-UE. É advogado formado pela Universidad de Buenos Aires (Argentina) e possui um LLM pela London School of Economics and Political Science (Reino Unido) como beneficiário da bolsa Chevening.
As opiniões expressas neste blog são exclusivamente da autora e não refletem as opiniões da Rede EULAS.


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