De Bruxelas a Santa Marta: Os desafios da IV Cúpula UE–CELAC em um mundo incerto
- Jorge Damián Rodríguez Díaz
- 3 de set.
- 5 min de leitura
Atualizado: 4 de set.
Esta postagem de blog apresenta e desenvolve argumentos analisados em Rodríguez, J. D. (2025). A Relação Inter-regional entre a União Europeia e a América Latina e o Caribe em Tempos de Incerteza: Reconfiguração Geoeconômica e Disputas Comerciais, em Informe Iberoamérica 2025, Fundación Alternativas, Espanha. Disponível em: https://fundacionalternativas.org/publicacoes/informe-iberoamerica-2025/
A relação entre a União Europeia (UE), a América Latina e o Caribe (ALC) está enraizada em vínculos históricos, socioeconômicos e culturais, bem como em valores e interesses compartilhados. Desde a década de 1990, no marco da estratégia inter-regional da UE, essa parceria adquiriu um caráter multidimensional, combinando cooperação, diálogo político e acordos comerciais. Atualmente, a UE mantém acordos com 25 países da região — que aumentarão para 29 com a entrada em vigor do acordo com o Mercosul — e é um dos seus principais investidores. Iniciativas recentes, como o programa Global Gateway, buscam promover investimentos verdes e digitais, reforçando a dimensão estratégica da relação.
No entanto, essa relação passou por fases alternadas de dinamismo e estagnação, moldadas tanto por fatores estruturais quanto por circunstâncias políticas em ambas as regiões. Em um contexto internacional marcado pela rivalidade hegemônica, reconfiguração geoeconômica e as “três transições” — digital, ecológica e inclusiva —, o desafio é redefinir a parceria birregional de forma que responda às novas demandas de desenvolvimento e governança global. Nesse cenário, a IV Cúpula UE–Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) será realizada em novembro de 2025 em Santa Marta, Colômbia, reunindo líderes europeus, latino-americanos e caribenhos para fortalecer as relações birregionais.
Entre 2023 e 2025, a UE acelerou sua estratégia em relação à ALC, reconhecendo o papel fundamental da região no fornecimento de minerais críticos e na transição energética. Durante esse período, foram modernizados os acordos com Chile e México, e um Acordo de Associação com o Mercosul — diferente da versão de 2019 — foi alcançado em princípio, alinhando esses processos à iniciativa Global Gateway como marco de investimento e cooperação. Os preparativos para a Cúpula de Santa Marta se apoiam nesses marcos recentes, bem como nos resultados da Cúpula de Bruxelas de 2023 e da reunião ministerial de Sevilha em 2025, com o objetivo de chegar a anúncios concretos sobre energias renováveis, mobilidade elétrica, manejo do sargaço, expansão do cabo BELLA e produção local de vacinas, apoiados pelo Banco Europeu de Investimento, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a CAF.
Esse roteiro baseia-se na complementaridade estratégica entre as duas regiões — a ALC detém 60% da biodiversidade mundial, gera 30% de sua energia a partir de fontes renováveis e representa um mercado de 650 milhões de pessoas — e projeta a parceria como um pilar para enfrentar desafios globais, combinando interesses econômicos, sustentabilidade e coesão social.
Contexto geopolítico e geoeconômico da IV Cúpula UE–CELAC
O atual contexto birregional insere-se em uma crise estrutural do sistema internacional, marcada pela ascensão do protecionismo, tensões geopolíticas e desafios à globalização. Esse “interregno”, nos termos de Antonio Gramsci, reflete um cenário de instabilidade em que coexistem tanto a desaceleração ou reconfiguração da globalização quanto o uso coercitivo da interdependência econômica.
A competição entre os Estados Unidos e a China em setores estratégicos ligados à transição para uma economia sustentável — junto com a guerra na Ucrânia, as consequências da pandemia de Covid-19 e a guinada protecionista nos países desenvolvidos — deu origem a políticas de segurança econômica, subsídios industriais e aumento unilateral de tarifas. Nesse contexto, a UE promove seu conceito de “autonomia estratégica aberta”, que combina a defesa de um sistema de comércio internacional baseado em regras com a capacidade de reduzir dependências críticas e garantir o fornecimento em setores estratégicos. Para a América Latina, esse cenário implica tanto desafios quanto oportunidades: enquanto a região busca reindustrializar-se em moldes verdes e digitais, persistem fragilidades estruturais, baixos níveis de IED e fragmentação política.
Apesar de ser um parceiro tradicional da UE, a relação com a ALC experimentou uma estagnação prolongada entre 2015 e 2023, agravada pela ausência de cúpulas e pela crescente influência da China e da Rússia. A Cúpula de Bruxelas de 2023 reabriu o diálogo, enfatizando a necessidade de fortalecer a autonomia estratégica. No entanto, o segundo mandato de Trump a partir de janeiro de 2025 — com novas medidas unilaterais — exacerbou a fragmentação do comércio global. Nesse contexto, a Cúpula de Santa Marta enfrenta o desafio de redefinir a relação birregional para responder a um cenário internacional cada vez mais incerto, competitivo e segmentado geoeconomicamente.
O relançamento geoeconômico da UE com a ALC: acordos estratégicos e o caminho para Santa Marta
O contexto descrito levou a UE a acelerar sua estratégia de fortalecimento dos laços com a ALC como parceiro estratégico diante do crescente protecionismo e da competição geoeconômica global. Como já destacado, a região é fundamental para a transição energética da Europa devido ao seu papel na produção de minerais críticos. A partir de 2023, ocorreu um relançamento birregional que possibilitou avanços em acordos estratégicos, incluindo a modernização dos Acordos de Associação. Alinhados à iniciativa Global Gateway, esses acordos buscam estabelecer parcerias duradouras que integrem comércio, investimento e cooperação em áreas estratégicas como energia, segurança e cadeias de valor sustentáveis.
Esse relançamento não apenas responde à necessidade da UE de diversificar fornecedores e garantir insumos estratégicos, mas também a uma janela política de oportunidade para reposicionar a relação UE–ALC diante da ascensão da China e da volatilidade política dos EUA. Em direção à IV Cúpula de Santa Marta, esses avanços fornecem uma base concreta para revitalizar a agenda birregional, mas também levantam questões sobre sua capacidade de se traduzirem em benefícios produtivos e de desenvolvimento para a ALC. O desafio será consolidar acordos tangíveis em um contexto de tensões comerciais, comércio global fragmentado e competição pelo controle das cadeias de valor verdes, buscando um equilíbrio entre os interesses estratégicos da UE e as prioridades de desenvolvimento da região.
Reflexões finais
A IV Cúpula UE–CELAC, a ser realizada em Santa Marta em novembro de 2025, ocorrerá em um momento em que a aliança birregional não pode mais se limitar a declarações. A convergência de crises estruturais exige revitalizar a parceria estratégica UE–ALC como um espaço capaz de entregar resultados em desenvolvimento sustentável, diversificação produtiva e coesão social.
Para a UE, aprofundar os laços com a ALC é uma forma de fortalecer sua autonomia estratégica e garantir recursos críticos para sua transição energética. Para a ALC, por sua vez, o desafio é aproveitar esse momento para avançar em uma industrialização verde e digital, evitando a reprimarização produtiva e a dependência tecnológica. O sucesso da cúpula dependerá da capacidade de ambas as regiões de identificar interesses compartilhados, alinhar estratégias com metas de desenvolvimento de longo prazo e estabelecer mecanismos que transcendam ciclos políticos e gerem benefícios tangíveis para ambos os lados.
Em última análise, a Cúpula de Santa Marta oferece uma nova janela de oportunidade para que a relação UE–CELAC se converta em uma parceria birregional renovada — capaz de responder a um sistema internacional fragmentado e incerto, e de colocar as pessoas e o desenvolvimento sustentável no centro de sua agenda.

Jorge Damián Rodríguez Díaz é professor e pesquisador do Programa de Estudos Internacionais da Universidade da República (Uruguai). É doutor em Relações Internacionais pela Universidade Complutense de Madri. Sua pesquisa concentra-se na economia política internacional crítica, em particular na relação entre os processos de integração regional e os setores produtivos, bem como no papel das corporações transnacionais na globalização. Leciona cursos de graduação e pós-graduação sobre regionalismo, Mercosul, globalização e cooperação internacional, e publicou amplamente sobre as relações União Europeia–Mercosul, economia política internacional e regionalismo latino-americano.
As opiniões expressas neste blog são de exclusiva responsabilidade do autor e não refletem as posições da Rede EULAS.


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